
O dia 24 de fevereiro de 2022 marcou o início da guerra entre Rússia e Ucrânia, um conflito que agora completa três anos. Ambos os países são players estratégicos na região do Mar Negro e, principalmente, no abastecimento da cadeia do agronegócio, impactando significativamente o setor global.
Antes da guerra, o comércio exterior combinado de Rússia e Ucrânia representava aproximadamente 29% das exportações globais de trigo, 19% das exportações de milho e 40% do óleo de girassol.
Escassez e alta nos preços dos fertilizantes
Nos primeiros meses após o início do conflito, o mercado internacional sentiu impactos expressivos, especialmente na oferta de fertilizantes essenciais, como potássio, ureia, fosfato diamônico e amônia anidra. A Rússia é um dos três maiores fornecedores desse mercado, ao lado de Canadá e Bielorrússia (um importante aliado político e comercial russo), que juntos controlam cerca de 80% da oferta global de fertilizantes.
Com as sanções econômicas e logísticas impostas à Rússia, as exportações de fertilizantes foram suspensas para diversos países, especialmente na Europa. Entre 2022 e 2023, os preços desses insumos dobraram devido à escassez de oferta russa, resultando em um aumento generalizado no custo de diversas commodities durante o primeiro ano de conflito.
Alternativas ao fornecimento russo
As sanções impostas pela União Europeia e pelos Estados Unidos, somadas à saída temporária de Rússia e Bielorrússia do mercado, levaram os países consumidores de fertilizantes a buscar alternativas em outros fornecedores, muitas vezes a preços mais assertivos.
Um estudo do Instituto Internacional de Pesquisa de Políticas Alimentares (IFPRI) revelou que as exportações de potássio da Bielorrússia sofreram uma queda de pelo menos 50% em 2022, comparado ao ano anterior, devido às sanções e restrições ao trânsito de mercadorias pela União Europeia. Já as exportações russas de ureia e potássio apresentaram uma redução nos primeiros oito meses de 2022 em relação ao mesmo período de 2021, mas registraram uma recuperação no segundo semestre do ano. No entanto, a amônia russa enfrentou um impacto ainda mais severo: as exportações caíram 63% entre janeiro e agosto de 2022, consequência do fechamento do oleoduto de amônia Tolyatti-Odessa, uma das principais rotas de exportação.
Países mais sensíveis a variações de preços, como Índia e nações da África Subsaariana (ASS), enfrentaram dificuldades para adquirir fertilizantes no mercado internacional devido aos altos custos logísticos e à concorrência, mantendo parte de suas importações com fornecedores russos.
Impacto nas commodities
Outro efeito significativo foi a alta nos preços de commodities agrícolas, especialmente trigo, milho e girassol, culturas amplamente produzidas na região do Mar Negro e essenciais para o abastecimento global.
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O conflito se intensificou no leste da Ucrânia, uma área responsável por 21% da produção de trigo, 17% da cevada e 19% das sementes de girassol cultivadas no país entre 2016 e 2020. Com as invasões nessa região, muitos agricultores tiveram suas plantações destruídas ou foram forçados a abandonar suas terras por questões de segurança.
De acordo com dados do governo ucraniano, a produção de cereais caiu aproximadamente 29% entre 2021 e 2022, gerando grande especulação no mercado. Antes do conflito, a Ucrânia era a maior produtora de girassol, responsável por 50% das exportações globais de óleo de girassol, além de ocupar a terceira posição entre os maiores exportadores de cevada, com 18% das exportações mundiais, a quarta no mercado de milho, representando 16% da oferta global, e a quinta no comércio internacional de trigo, com 12% das exportações mundiais.
Guerra impacta exportações de trigo da Ucrânia e redistribui mercado
O início da guerra reacendeu as preocupações sobre uma crise alimentar global, uma vez que a Ucrânia era responsável por 92% do trigo exportado para países em desenvolvimento. As dificuldades logísticas levaram a um aumento expressivo no preço do trigo, pressionando ainda mais a inflação dos produtos derivados dessa commodity.
As exportações ucranianas de trigo para a África Subsaariana caíram de 10% antes da guerra para 3% após o início do conflito, enquanto os embarques para o Norte da África caíram de 53% para 34%.
Por outro lado, com a criação das rotas terrestres de transporte promovidas pela União Europeia, conhecidas como “Corredores Solidários”, a participação da Ucrânia nas importações europeias aumentou consideravelmente:
- Trigo ucraniano: participação na importação europeia subiu de 2% para 50%;
- Milho ucraniano: aumentou de 36% para 64%.
Impacto no mercado de óleo de girassol
Os consumidores de óleo de girassol também sentiram fortemente os efeitos da guerra, uma vez que a Ucrânia foi forçada a reduzir sua participação no mercado justamente no meio da safra recorde de 2021.
O primeiro grande desafio para o setor foi a produção: muitas fábricas e plantações de girassol estão localizadas no leste da Ucrânia, uma região sob domínio russo ou alvo de intensos ataques. Em 2022, as unidades de crusher e refinamento de girassol enfrentaram paralisações prolongadas – algumas chegando a duas semanas – devido aos ataques russos que afetaram o fornecimento de energia, forçando a operação com geradores limitados.
O segundo grande desafio foi logístico: transportar sementes para as fábricas e óleo até os portos tornou-se extremamente caro. Para manter a competitividade, os produtores reduziram suas margens ao máximo. Com os portos ucranianos bloqueados por embarcações russas, alternativas foram encontradas através da exportação, principalmente via Polônia e Romênia. No entanto, essa solução gerou atritos com os países vizinhos, já que o óleo de girassol ucraniano chegava a preços mais baixos do que os dos produtores locais.
Corredor de Grãos: Um alívio temporário
O lançamento do corredor de grãos, em julho de 2022, proporcionou um alívio ao mercado. Esse acordo, mediado pelas Nações Unidas e pela Turquia, permitiu que grãos e parte da produção de óleo da Ucrânia fossem exportados com segurança através de três portos na região de Odessa.
Durante um ano de vigência do acordo, a Ucrânia conseguiu exportar cerca de 33 milhões de toneladas métricas de produtos agrícolas, contribuindo para a estabilização dos preços internacionais. O trigo, o milho e as sementes de girassol passaram a ser escoados principalmente para Europa e Turquia, que produziam o óleo e entravam com o girassol refinado no mercado a preços mais competitivos.
Os produtores de óleo também adotaram estratégias logísticas inovadoras, desenvolvendo rotas seguras de transporte via trem e caminhão para os portos da Romênia e Polônia. A partir de junho de 2022, essas medidas permitiram a retomada da exportação de óleo de girassol, ajudando a recuperar a posição da Ucrânia no mercado global.
Os impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia continuam a reverberar na economia global, especialmente no agronegócio. O mercado de fertilizantes, os preços das commodities e a logística internacional foram profundamente afetados, e as soluções emergentes – como novas rotas de exportação e acordos de transporte – ainda enfrentam desafios. Com o conflito em curso, a instabilidade na oferta de grãos e insumos agrícolas deve permanecer um tema central nos próximos anos.
Guerra e agronegócio: desafios e adaptações globais
Além dos desafios enfrentados nos últimos três anos, a continuidade do conflito entre Rússia e Ucrânia mantém o agronegócio global em um estado de incerteza. A volatilidade dos preços das commodities, a pressão inflacionária sobre os alimentos e os desafios logísticos seguem impactando o abastecimento global, especialmente em regiões mais vulneráveis, como a África e o Sul da Ásia. Além disso, a dependência de fertilizantes e grãos dessas nações reforçou a necessidade de diversificação de fornecedores e novas estratégias comerciais por parte dos países importadores.
Embora iniciativas como o corredor de grãos e os “Corredores Solidários” tenham proporcionado alívio temporário ao mercado, sua eficácia depende da estabilidade política e diplomática entre as partes envolvidas. A busca por soluções sustentáveis e de longo prazo para garantir a segurança alimentar global passa por novos investimentos em produção agrícola, desenvolvimento de infraestrutura logística e negociações comerciais mais robustas.
Diante desse cenário, o setor agroalimentar mundial deve continuar acompanhando de perto os desdobramentos do conflito, adaptando-se a mudanças na oferta, demanda e regulamentações internacionais. A resiliência e a inovação no agronegócio serão fundamentais para mitigar os impactos da guerra e garantir que a segurança alimentar global não fique refém de crises geopolíticas.
Por Júlia Vilela, especialista em óleo de girassol e azeite de oliva da Aboissa
Revisão por Vanessa Ferreira